Matheus Falivene | ConJur – A criminalização do assédio moral é uma manifestação do Direito Penal simbólico
O denominado “simbolismo penal” ou “Direito Penal simbólico” consiste na aprovação de legislações penais mais severas, que criminalizam condutas consideradas penalmente lícitas ou que aumentam a pena de crimes já existentes, com a finalidade de atender a uma necessidade político-eleitoral que visa atender a um suposto clamor social, mas que, na prática, é inócua.
Dessa forma, o simbolismo penal ocorre quando o legislador, como forma de atender a uma necessidade político-eleitoral (geralmente de ter argumentos para uma futura reeleição) se utiliza do Direito Penal para criminalizar condutas ou aumentar penas, sem que isso tenha um efeito real prático.
Muitas das normas promulgadas nesse contexto do simbolismo penal são elaboradas às pressas e aprovadas sem qualquer discussão no Congresso Nacional, fazendo com que tenham textos pífios, inaplicáveis ou inconstitucionais.
E o Brasil é um dos campeões mundiais na utilização do Direito Penal simbólico.
Desde a década de 1990, uma série de leis penais foi promulgada com a única e exclusiva finalidade de atender a um suposto clamor social e fazer com que seus defensores tenham futuro material de campanha política, como é o caso da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), da Lei Carolina Dieckmann (Lei 12.737/12) e da Lei de Combate à Corrupção (Lei 12.850/13), apenas para citar alguns exemplos.
Porém, nosso legislador parece não ter limites na criação do Direito Penal simbólico e, agora, por meio do (requentado) PL 4.742/01 da Câmara dos Deputados, busca tipificar o assédio moral no ambiente trabalho.
O assédio moral no ambiente de trabalho conduta psicológica abusiva do empregador ou de outro empregado que atenta, de modo reiterado e prolongado, contra a dignidade do trabalhador, expondo-o a constante humilhações como forma de fazer com que se retire da relação.
Atualmente, a situação é considerada um ilícito cível passível de indenização por dano moral. Porém, o legislador quer tipificá-la como crime introduzindo o artigo 146-A no Código Penal.
Conforme o texto proposto, constituirá crime punido com pena de detenção de 1 a 3 anos “ofender reiteradamente a dignidade de alguém causando-lhe dano ou sofrimento físico ou mental, no exercício de emprego, cargo ou função”.
É de se notar que o tipo é extremamente mal redigido, empregando o verbo “ofender” de forma absolutamente equivocada e utilizando de termos genéricos como “dano” (seria um dano patrimonial, psicológico ou na carreira?) e “sofrimento físico e mental” (o que caracterizaria esse sofrimento físico e mental?).
Essa imprecisão da linguagem não permite que se construa qual é a conduta incriminada e viola o princípio da taxatividade penal, em decorrência da legalidade penal, que dispõe que as leis penais devem ser elaboradas de forma clara e precisa, permitindo que todos os cidadãos conheçam o seu conteúdo, o que de fato não ocorre no caso.
Como se não bastasse isso, o crime pune uma conduta que configura um ilícito civil, uma infração às normas que regulam o Direito do Trabalho, e não uma infração penal, não tendo legitimidade para sua incriminação, que configura uma clara manifestação do Direito Penal simbólico.
Como pode se observar do andamento na Câmara dos Deputados, o projeto foi apresentado em 23 de maio de 2001 e, posteriormente, foi reapresentado e rejeitado em todas as legislaturas subsequentes até que, em 12 de março deste ano, foi colocado novamente em discussão numa sessão e aprovado em votação após pouquíssimo debate.
A aprovação se deu num momento em que a existência do anacrônico Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho sofrem pesadas críticas e tem como único fundamento reafirmar a importância do Direito e da Justiça laboral, o que fica muito claro na justificativa apresentada na movimentação.
Dessa forma, criou-se uma norma penal que está fadada à inaplicabilidade e que tem como fundamento apenas reafirmar a validade da norma trabalhista e servir como palanque político-eleitoral para seus idealizadores, no melhor estilo do Direito Penal simbólico.
Texto original publicado no ConJur
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