Matheus Falivene | Jota – Empresa Simples de Crédito não pode ser considerada instituição financeira para fins penais
EMPRESA SIMPLES DE CRÉDITO NÃO PODE SER CONSIDERADA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PARA FINS PENAIS
Recentemente promulgada, a Lei Complementar n.º 167/19 criou a denominada Empresa Simples de Crédito (ESC), empresas que têm por finalidade realizar operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos por meio de capital próprio e dentro dos limites de determinada região, abrangida pelo município da sede e de seus limítrofes.
A Lei se mostra muito bem-vinda na medida em que irá facilitar e aumentar a oferta de crédito, diminuindo a concentração dessas operações nas mãos de grandes empresas, usualmente de âmbito nacional, e que operam com capital de terceiros.
Porém, com o advento desta nova modalidade de empresa de crédito, surge o debate se elas poderão ser consideradas instituições financeiras para fins penais, estando sujeitas aos crimes da Lei n.º 7.492/86, que dispõe sobre os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.
A resposta é não. Nos termos do art. 1º da Lei n.º 7.492/86, a pessoa jurídica de direito público ou direito privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a capitação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.
Dessa forma, para fins penais, somente podem ser consideradas instituições financeiras as empresas que captem recursos de terceiros, como por exemplo os bancos, as “financeiras” e as cooperativas de crédito, ou que atuem no mercado de valores mobiliários, como os bancos de investimentos, corretoras, fundos de investimento, etc.
As Empresas Simples de Crédito (ESC) estão fora deste conceito, na medida em que, por determinação legal, os recursos por elas ofertados para empréstimo ou financiamento devem ser de origem própria, isto é, de origem de seus próprios sócios, que somente podem ser pessoas naturais.
Com isso, justamente por não administrarem valores de terceiros. os administradores destas empresas não estarão sujeitos a prática de crimes como a gestão temerária ou gestão fraudulenta, que são crimes típicos daqueles que possuem poder de mando em instituição financeira.
Porém, eventuais desmandos não estarão totalmente impunes, na medida em que seus administradores poderão responder por crimes como estelionato ou apropriação indébita, caso de alguma formal lesem dolosamente o patrimônio da empresa.
Da mesma forma, os tomadores de financiamento que eventualmente se utilizem de expedientes fraudulentos ou que apliquem esses valores em destinação diversa da prevista não responderão pela prática dos crimes previstos na Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro, mas sim pelo crime de estelionato.
A única hipótese em que a Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro poderá ser aplicada às Empresas Simples de Crédito será na hipótese em que houver um total desvirtuamento de seu fim societário, e ela passar a gerir valores provenientes de terceiros, hipótese em que seus sócios e administradores poderão responder pelo crime de operação de instituição financeira sem autorização.
Ante ao exposto, conclui-se que as Empresas Simples de Crédito (ESC) não podem ser consideradas instituições financeiras para fins penais, não podendo seus sócios, administradores ou terceiros responderem pelos crimes previstos na Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro.
MATHEUS FALIVENE
Advogado criminalista e doutor em Direito Penal pela USP.
Leia o artigo original publicado pelo portal jurídico JOTA.
Imagem: Pixabay.
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