Matheus Falivene | JOTA – Investir em fundos de maconha é crime?
Lei o artigo original publicado no JOTA.
O ETF (Exchange Trading Found) é um fundo de investimento com cotas negociadas em bolsa, atrelado a algum índice de mercado. Por conta das suas características e por ser negociado livremente em bolsa, esses fundos permitem que investidores considerados pequenos tenham uma carteira diversificada e rentável.
Esses fundos usualmente são atrelados a índices de ações, comodities e obrigações (bonds). Porém, nos últimos anos, com a legalização do plantio, do comércio e do uso da maconha em diversos estados norte-americanos, surgiram diversos fundos de investimento negociados em bolsa com foco no financiamento da produção e comercialização desses bens.
Os primeiros fundos de investimento em maconha tinham como base o cultivo da planta para fins medicinais. Contudo, com o passar do tempo e com a legalização do consumo recreativo em diversas localidades, passaram a ser criados fundos que visavam fomentar o cultivo e o desenvolvimento de maconha para fins recreativos.
Inclusive, há recente notícia de que grandes gestoras de fundos de investimento norte-americanas estariam estudando a possibilidade de lançar produtos focados em Cannabis, o que abriria este mercado ao grande público, usualmente não habituado a investimentos em áreas onde ainda pairam grande insegurança jurídica e que trazem grande risco.
Porém, o fato de ser um investimento pouco explorado e com possibilidades de ganhos exponenciais atrai cada vez mais investidores. Até o momento, a grande maioria dos investidores são norte-americanos, contudo, logo, os investidores brasileiros também voltarão seus olhos para esse crescente mercado.
Porém, no Brasil, a oferta de investimentos que tenham como base os fundos de maconha pelos bancos ou corretoras e a sua aquisição por investidores interessados certamente irá suscitar o debate sobre a ocorrência ou não do crime de financiamento do tráfico de drogas, previsto no art. 36 da Lei de Drogas (Lei 11.343/06).
Com efeito, a referida norma pune com pena de oito a vinte anos aqueles que financiam ou custeiam o tráfico de drogas. A punição é mais severa do que a do próprio tráfico de drogas, sendo um dos crimes mais graves da legislação de combate ao tráfico ilícito de drogas, e considerado um crime hediondo.
Dessa forma, para sabermos se os investimentos nos fundos de maconha incorrem ou não no crime, temos que analisar a extensão dos termos “investir”, “tráfico de drogas” e “drogas”, contidos no referido crime.
Financiar significa prover as despesas, custear, emprestar moeda para que seja realizada a atividade criminosa de tráfico de entorpecentes. Dessa forma, incorre na conduta aquele que de alguma forma aplica dinheiro na atividade criminosa esperando obter uma contraprestação, seja na forma do pagamento de juros ou de dividendos.
Importante destacar que a lei não faz distinção a respeito do investimento “direto”, por meio de empréstimo diretamente à organização criminosa, por exemplo, ou por meio de fundos. Dessa forma, o investimento em fundos ou clubes de investimento que financiassem a prática de tráfico ilícito de entorpecentes configuraria o crime.
Porém, também é necessário se saber qual a extensão do termo tráfico de drogas, pois, sem sua presença não há o crime de financiamento ao tráfico.
O tráfico de drogas, nos termos da legislação penal brasileira, consiste na importação, exportação, preparação, produção, fabrico, aquisição vendo, transporte ou porte de drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar.
Da mesma, forma, considera-se como tráfico de drogas por equiparação a conduta daquele que importa, exposta ou utiliza, sem autorização ou em desacordo com a autorização legal ou regulamentar, matéria prima, insumo ou produto destina à preparação de drogas ou semeia ou cultiva planta utilizada como matéria-prima de drogas.
Contudo, não há tráfico de drogas sem drogas. Para nossa legislação, drogas são as substancias ou produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.
Assim, drogas são as substâncias elencadas numa portaria do Ministério da Saúde que lista todas as substâncias e produtos que causam dependência e têm sua venda proibida no Brasil, como é o caso da maconha.
Dessa forma, os fundos de investimento em maconha não poderiam ter como objeto o investimento na produção e venda da maconha no Brasil, já que configurariam o crime de financiamento ao tráfico de drogas. Contudo, não há impedimento para o investimento na produção e venda de maconha onde tal conduta é legalizada.
Isso porque, se o plantio, preparo, comercialização e consumo da maconha é legalizado no local onde há o investimento, não há como se falar na ocorrência de tráfico de drogas, na medida em que este exige para sua ocorrência que o comércio da substância seja fora da regulamentação legal do local em ocorre. Se não há tráfico de drogas, não se pode falar no cometimento do crime de financiamento ao tráfico, ainda que o investidor resida no Brasil.
Dessa forma, não configura o crime de financiamento ao tráfico de drogas o fato de investidores brasileiros alocarem seus investimentos em fundos de maconha que tenham como fundamento o financiamento da produção da substância em locais que ela seja legalizada.
MATHEUS FALIVENE
Advogado criminalista, doutor e mestre em Direito Penal pela USP e membro da Comissão de Direito Penal da OAB de São Paulo.
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