
Matheus Falivene | [Modelo] Memoriais escritos da Defesa
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _ª VARA CRIMINAL DO FORO CRIMINAL DE ____
Processo nº: 0000000-00.0000.0.00.0000
XXX, já qualificado nos autos da ação penal que lhe move o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ___, vem respeitosamente a presença de Vossa Excelência, nos termos da norma do art. 403, § 3º, do Código de Processo Penal, apresentar suas alegações finais através de
MEMORIAIS ESCRITOS DA DEFESA
o que faz através dos seguintes fundamentos de fato e de direito:
I – EMENTA DOS MEMORIAIS ESCRITOS DA DEFESA
ALEGAÇÕES FINAIS DA DEFESA ATRAVÉS DE MEMORIAIS ESCRITOS. ESTELIONATO (ART. 171, CAPUT, DO CP) E QUADRILHA OU BANDO (ART. 288 DO CP). PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. ILÍCITO CIVIL COM RELAÇÃO AO CRIME DE ESTELIONATO. AUSÊNCIA DA COMPROVAÇÃO DOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO CRIME DE QUADRILHA OU BANDO. APLICAÇÃO DA PENA NO MÍNIMO LEGAL NO CASO DE EVENTUAL CONDENAÇÃO PELO CRIME DE ESTELIONATO.
- No caso em tela, considerando a pena que será aplicada ao réu xxx, há de se reconhecer a prescrição da pretensão punitiva do Estado, na modalidade prescrição retroativa. Como a pena certamente não passará de 4 (quatro) anos (possivelmente não passará de dois), há de se reconhecer que, entre a data do recebimento da denúncia e da promulgação da sentença, já ocorreu o lapso temporal suficiente para o reconhecimento da prescrição.
- Com relação ao crime de estelionato, há de se reconhecer a existência do denominado ilícito civil, isto é, a existência de um mero desacordo comercial entre as partes, que não é suficiente para caracterizar o crime do art. 171 do CP.
- Já com relação ao crime de quadrilha ou bando, há de se reconhecer a atipicidade da conduta. Com efeito, não se comprovou nos autos seus elementos constitutivos “mais de 3 agentes”, isto é, a existência de ao menos quatro criminosos, e “para cometer crimes”, isto é, a estabilidade da associação, que não se destina ao cometimento de um único crime (fato que caracteriza o mero concurso de pessoas).
- Na remota hipótese de condenação, há de se aplicar a pena no mínimo legal em razão da primariedade do réu e da ausência de circunstâncias agravantes ou causas de aumento de pena. Além disso, para fins de fixação do regime inicial de cumprimento de pena, há de se considerar o longo período que o réu passou em prisão preventiva e, por fim, substituí-la por restritivas de direitos.
- Pedidos de reconhecimento da extinção da punibilidade pela prescrição, de absolvição e, na remota hipótese de condenação, de aplicação da pena no mínimo legal.
II – DOS FATOS
xxx está sendo processo porque, na data de dia, mês de ano, agindo em conjunto com xxx e xxx, teria supostamente obtido para si vantagem ilícita, utilizando-se de meio fraudulento (art. 171, caput, do CP).
Contudo, a acusação não deve prosperar nos seus exatos termos porque, com relação ao crime de quadrilha ou bando (art. 288 do CP), não se demonstrou a existência de seus elementos típicos (“associarem-se mais de 3 pessoas” e “com a finalidade de cometer crimes”) e, com relação ao crime de estelionato (art. 171, caput, do CP), em razão da existência do denominado ilícito civil.
No mais, conforme se depreende dos autos, a denúncia foi recebida na data de dia de mês de ano (fls. xxx), tendo sido o acusado xxx citado em dia de mês de ano (fls. 1.847) e interrogado em dia de mês de ano (fls. 1.863), ainda sob a égide da antiga sistemática processual.
No seu interrogatório, xxx declarou que os valores recebidos diziam respeito a contrato de consultoria celebrado entre ele e os sócios da empresa xxx, com a finalidade de prestação de serviços de consultoria bancária e financeira para obtenção de empréstimos (fls. xxx), fato que corrobora a tese do ilícito civil, conforme se demonstrará.
Em seguida, foram apresentadas as defesas prévias (fls. xxx), conforme o antigo rito do Direito Processual Penal, dando-se início à instrução que culminou com a oitiva de diversas testemunhas de acusação e de defesa, que nada de novo trouxeram aos autos.
Finda a instrução, foram apresentadas alegações finais através de memoriais escritos pelo Ministério Público do Estado ____ (fls. xxx), pelo assistente de acusação (fls. xxx) e pelo corréu xxx (fls. xxx).
A despeito da apresentação dos memoriais pelas demais partes do processo, a defesa de xxx requereu a expedição de carta rogatória com a finalidade de inquirição de testemunhas, deferida por este MM. Juízo, que determinou a suspensão do prazo prescricional (fls. xxx), ao arrepio da legislação processual penal que, como se demonstrará, determina a suspensão do prazo apenas nas hipóteses em que a expedição da carta rogatória se destina à citação do réu (art. 368 do CPP).
É a síntese do necessário.
III – DO DIREITO
III.I – DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA
A prescrição corresponde à perda do direito de punir pela inércia do Estado, que não o exercitou no lapso de tempo legalmente fixado. São duas as espécies de prescrição: a) prescrição da pretensão punitiva; e b) prescrição da pretensão executória.
Ainda que não mais se admita a denominada prescrição virtual, que era a espécie de prescrição da pretensão punitiva fundada no quantum da pena que o réu provavelmente receberia, é admissível a denominada prescrição retroativa, que se regula pela pena imposta (art. 110, caput, do CP), mas é contada regressivamente, isto é, entre a data do recebimento da denúncia e a publicação da sentença penal condenatória (art. 110, § 1º, do CP).
No caso em tela, como a denúncia foi recebida em dia de mês de ano (fls. 1.575), e a pena certamente não ultrapassará 4 (quatro) anos de reclusão, há de se reconhecer a prescrição, que teria se operado, no máximo, na data de dia de mês de ano.
Além disso, ainda no debate sobre o tema da prescrição, há de se destacar que a expedição de carta rogatória para oitiva de testemunhas não suspende o curso da prescrição da pretensão punitiva, ao contrário do que determinado nas decisões de fls. xxx (onde se determinou a suspensão do curso do prazo prescricional até o cumprimento das cartas rogatórias).
Com efeito, a norma do art. 222-A, parágrafo único, do Código de Processo Penal determina que, caso seja imprescindível a oitiva de testemunhas residentes em País estrangeiro, será expedida carta rogatória, sem, contudo, suspender o curso da instrução criminal, podendo o magistrado julgar a causa após findo o prazo assinalado para o cumprimento da diligência probatória.
Assim, diferentemente do que ocorre quando a carta rogatória é expedida com a finalidade de citação do réu, onde há a suspensão da prescrição (art. 368 do CPP), no caso da carta rogatória expedida com a finalidade de oitiva de testemunha, não há que se falar em suspensão do curso da prescrição, na medida em que o processo não tem seu curso alterado, podendo ser julgado a despeito de não cumprida a medida. Na verdade, tratando-se a prescrição de um instituto de Direito Penal, interpretar-se que a expedição de carta rogatória para inquirição de testemunha constitui causa suspensiva da prescrição é uma verdadeira analogia in malam partem.
Em razão do exposto, reconhecendo-se que a expedição das cartas rogatórias com a finalidade de oitiva das testemunhas não constitui uma causa de suspensão do curso da prescrição, requer-se a decretação da extinção da punibilidade do agente em razão da prescrição da pretensão punitiva do Estado, nos termos da norma do art. 385, inciso VI, do Código de Processo Penal.
III.II – DO ILÍCITO CIVIL
É muito difícil se estabelecer uma distinção entre ilícito civil e ilícito penal (estelionato), sendo a distinção entre eles fruto de uma acepção cultural e não propriamente técnico-jurídica.
É comum nas transações civis (comerciais) a existência de certa malícia entre as partes, que procuram ocultar os defeitos de seus bens e depreciar os bens da outra parte, com o intuito de efetuar a transação mais vantajosa (dolo civil), que pode, eventualmente, dar ensejo à anulação do negócio jurídico, em razão de vício do consentimento, sem, contudo, configurar o crime de estelionato.
Da mesma forma, o descumprimento contratual ou o cumprimento defeituoso de determinado contrato (descumprimento parcial), dão ensejo ao ilícito civil, com as consequentes perdas e danos, mas não ao cometimento do crime de estelionato – ainda mais quando se constata que o crime de estelionato (art. 171, caput, do CP) exige o elemento subjetivo do tipo (dolo específico) consubstanciado na vontade de enganar, ludibriar, com a finalidade de obter vantagem, não presente no caso em tela.
A jurisprudência é no sentido de que o mero descumprimento contratual não dá ensejo à existência do crime de estelionato, especialmente quando a parte ex adversa não cumpre aquilo que foi celebrado, naquilo que se denomina exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus):
HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO PELA PRÁTICA DE ESTELIONATO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. MATÉRIA CIRCUNSCRITA AO ÂMBITO CÍVEL. ORDEM CONCEDIDA PARA DETERMINAR O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
- Falta juta causa à ação em que o paciente é denunciado pela prática de estelionato, se a lide, na verdade, circunscreve-se ao âmbito do direito civil, eis que diz respeito à alegação de prejuízo em virtude de inadimplemento contratual, não se verificando do inquérito algum suporte que aponte a intenção do agente em induzir ou manter os contratantes em erro, mediante o uso de algum meio fraudulento, de modo a obter vantagem ilícita.
- Concedo o habeas corpus para trancar a ação penal, ante a ausência de justa causa (STJ – HC 26.656/SC – Rel. Min. Paulo Galotti – j. 7/8/2003).
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. ESTELIONATO. IMPROCEDÊNCIA. ILÍCITO CIVIL.
- O inadimplemento de compromisso comercial, por si só, é insuficiente para caracterizar o crime de estelionato. É requisito essencial à tipificação do delito haver o agente induzido a v
- O descumprimento de contrato, sem elementos de ilícito penal, não pode ensejar a persecução. Dificuldades financeiras não indicam estelionato, ainda mais se os lesados também não cumpriram a obrigação quando perceberam que a residência não seria construída em tempo hábil.
- Diante da ausência de qualquer indício, ao menos tênues, de que os pacientes tivessem agido com dolo de obter vantagem indevida, impõe-se o trancamento da ação penal por falta de justa causa.
- Concedida a ordem. Maioria. (TJDF – HC 2007.00.2.011585-8 – Rel. Des. Sandra de Santis).
No caso em tela, extrai-se da prova carreada nos autos que se trata de um ilícito civil, pelo qual o lesado haveria de buscar a reparação no âmbito cível, e não no penal. Com efeito, como se comprova através da leitura da minuta do contrato (xxx) e dos demais elementos de prova (v.g., fornecimento da conta pessoal do réu), os valores referem-se a um contrato celebrado entre as partes, que tinha como finalidade a consultoria e intermediação de um empréstimo internacional que, por razões desconhecidas, não se concretizou.
Assim, em razão dos diversos elementos de prova colhidos, está demonstrado que o réu xxx nunca teve a intenção de induzir os representantes da empresa xxx em erro e que estes, se sentiram de alguma forma lesados, deveriam buscar a reparação no âmbito cível, através da competente ação de perdas e danos, e não através da persecução penal absolutamente incabível.
Sendo assim, ante ao exposto, requer-se a absolvição do réu nos termos da norma do art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
III.III – DA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS ELEMENTOS NORMATIVOS DO CRIME DE QUADRILHA OU BANDO
O antigo crime de quadrilha ou bando (art. 288 do CP), atualmente substituído pelo crime de associação criminosa, exige a presença de dois elementos normativos: a) a associação de mais de três pessoas (isto é, de pelo menos quatro pessoas); e b) com a finalidade de cometer crimes (isto é, mais de um crime, na medida em que há a necessidade de comprovação do vínculo permanente no cometimento dos crimes).
Como bem destaca Júlio Fabbrini Mirabete, não basta a associação eventual para o cometimento de um crime, o que caracteriza apenas o concurso de pessoas, sendo necessário “uma estabilidade ou permanência com o fim de cometer crimes, uma organização de seus membros que revele acordo sobre a duradoura atuação em comum”.[1]
No caso em tela, não se comprovou a associação de quatro indivíduos, na medida em que foram identificados apenas três supostos autores, e nem a estabilidade da associação, que é afastada em razão da ausência de prova de quem os indivíduos tenham cometido outros crimes, ainda que tentados, em conjunto.
Assim, há de se afastar a incidência do crime de quadrilha ou bando (art. 288 do CP) na hipótese, absolvendo-se o réu nos termos da norma do art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
III.IV – DA APLICAÇÃO DA PENA EM CASO DE CONDENAÇÃO
A condenação do réu somente deve ocorrer naquelas hipóteses excepcionais em que há provas robustas da materialidade e da autoria do crime. E, nessas hipóteses excepcionais de condenação, a pena deve ser aplicada de forma justa, como meio de auferir a culpabilidade do agente.
No caso em tela, na remota hipótese de condenação, a pena deve ser aplicada no mínimo legal, pois o agente é primário, não possuindo contra si quaisquer condenações criminais transitadas em julgado (art. 63 do CP) e os processos em curso não podem ser considerados como “maus antecedentes” para efeito da fixação da pena como já decidiu o Supremo Tribunal Federal (RE 591054).
Além disso, não estão presentes no caso quaisquer circunstâncias agravantes ou causas de aumento de pena que posam elevar a pena além do mínimo legal.
Ainda, o longo período de prisão preventiva, cumprida de tal data a tal data (quando foi concedida a liminar pelo STF no HC xxx/SP), deve ser considerado para fins de regime inicial de cumprimento de pena, nos termos da norma do art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal.
Por fim, há de se substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em razão do preenchimento pelo réu de todos os pressupostos subjetivos e objetivos contidos na norma do art. 44 do Código Penal.
IV – DOS PEDIDOS
Ante o exposto, requer-se a Vossa Excelência:
I – O reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado, inclusive com relação aos efeitos extrapenais da condenação, nos termos da norma do art. 386, VI, do CPP;
II – A absolvição em razão do ilícito civil com relação ao crime de estelionato, nos termos da norma do art. 386, III, do CPP;
III – A absolvição, com relação ao crime de quadrilha ou bando (antiga redação do art. 288 do CP) em razão da ausência de comprovação dos elementos constitutivos do crime “associarem-se mais de 3 pessoas”), nos termos da norma do art. 386, III, do CPP;
IV – Na remota hipótese de condenação, a aplicação da pena no mínimo legal em razão da: a) primariedade do agente; e b) ausência de circunstâncias agravantes e causas de aumento de pena; e c) a consideração do tempo de prisão preventiva para fins de fixação do regime inicial de cumprimento de pena (art. 387, § 2º, do CPP; e, por fim, d) a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 44 do CP).
Termos em que,
Pede deferimento.
Local, data.
Advogado/OAB nº
[1] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 2175.
Postado no site JusBrasil
Às 11h45 em 18 de Outubro de 2018
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