
Matheus Falivene | [Modelo] Defesa Prévia de Excelência
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA _ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE _
Processo nº: XXX
XXX, já qualificado nos autos da ação penal movida pelo Ministério Público do Estado de ____, vem respeitosamente, por meio de seu advogado que esta subscreve, constituído conforme o documento de procuração já acostado aos autos, com fundamento no artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República Federativa do Brasil, e no artigo 55 da Lei n.º 11.343/2006, apresentar
DEFESA PRÉVIA
pelos motivos que, de fato e de direito passa a expor:
- SÍNTESE PROCESSUAL
XXX foi preso em flagrante delito na data de 29 de julho de 2010; na data de XX de agosto de XXXX foi denunciado com incurso no artigo 33, caput, combinado com o artigo 40, inciso V, ambos da Lei n.º 11.343/06.
Em X de outubro de XXXX foi dada vista dos autos, que vieram para que a defesa apresentasse seus argumentos em sede de defesa prévia, no prazo legal, conforme determina o artigo 55 da Lei n.º 11.343/06.
É a síntese do necessário.
- DO DIREITO
Apesar de não ser oportuno discutir questões de mérito em sede de defesa prévia, especialmente em razão do escasso conjunto probatório, impõe-se alegar, em preliminar, nulidades que acoimam o processo de vícios insanáveis.
II.I. DAS QUESTÕES PRELIMINARES AO MÉRITO
II.I.i. DA NULIDADE CONFISSÃO INFORMAL EM RAZÃO DE SUA ILICITUDE
Segundo Guilherme de Souza Nucci[1], “confessar, no âmbito do processo penal, é admitir contra si, por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento, voluntária, expressa e pessoalmente, diante da autoridade competente, em ato solene e público, reduzido a termo, a prática de algum ato criminoso”. A confissão não é, assim, a mera assunção da autoria do crime, mas sim um ato solene, formal, que deve ocorrer na presença da autoridade competente, isto é, do magistrado ou do delegado de polícia.
No caso, os policiais rodoviários federais, nos depoimentos prestados à autoridade policial, afirmaram que o réu confessará informalmente a prática do crime, afirmando, inclusive, que este levaria a droga até a cidade de XXX, Estado de XXX (fls. XX e XX). A suposta confissão não se deu na presença da autoridade policial (delegado de polícia), não foi pessoal, já que foram os policiais que, informalmente, declinaram a sua ocorrência e, provavelmente, o réu não foi alertado do seu direito de permanecer em silêncio durante o trajeto entre o local dos fatos e a delegacia de polícia, violando o disposto no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição da República federativa do Brasil:
LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;[2]
Assim, por não ter respeitado a previsão legal, que determina que confissão se realize perante a autoridade competente e que obedeça às formalidades legais, ou mesmo nossa Carta Magna, que determina que o preso seja informado do seu direito de permanecer calado, a suposta confissão informal se tornou prova ilícita, tanto em seu aspecto formal quanto material[3].
A Constituição Federal, em seu artigo 5.º, inciso LVI, determina que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”[4]. O nosso Código de Processo Penal, a partir da extensa reforma introduzida pela Lei n.º 11.690/2008, passou a prever expressamente que são ilícitas as provas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais, bem como aquelas que são derivadas das provas ilícitas, como se constata pela simples leitura do caput do artigo 157, caput, e de seu § 1.º:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais:
- 1.º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras; (…)[5]
Se são ilícitas aquelas provas obtidas com violação de normas legais ou constitucionais, imagine-se o que não é um prova obtida com a violação de normas legais e constitucionais, como no caso. É a prova ilícita na sua manifestação mais evidente e lesiva aos direitos e garantias fundamentais, e a única forma de reparar este ato lesivo é o desentranhamento de tais provas dos autos, como determina o já citado caput do artigo 157 do Código de Processo penal.
Nesse sentido é a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
Habeas corpus. Pedido não examinado pelo tribunal de origem. Writ não conhecido. Prova ilícita. Confissão informal. Ordem concedida de ofício para desentranhar dos autos os depoimentos considerados imprestáveis. Constituição federal. Art. 5º, incisos LVI e LXIII. 1 – Torna-se inviável o conhecimento de habeas corpus, se o pedido não foi enfrentado pelo Tribunal de origem. 2 – A eventual confissão extrajudicial obtida por meio de depoimento informal, sem a observância do disposto no inciso LXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal, constitui prova obtida por meio ilícito, cuja produção é inadmissível nos termos do inciso LVI, do mencionado preceito. 3 – Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. (Superior Tribunal de Justiça, HC 22.371 / RJ, Rel. Min, Paulo Galotti, DJU 31 de março de 2003).
Nesse sentido também é a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:
TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. PROVA DA AUTORIA. DEPOIMENTO DE POLICIAIS. INVALIDADE DE CONFISSÃO INFORMAL. 1. Toda confissão, para ser validade, deve ser formal, ou seja, com a observância do que dispõe o art. 199 do Código de Processo Penal. O direito ao silêncio deve ser respeitado pela autoridade que preside o interrogatório de pessoa suspeita, bem como por seus agentes, sob pena de violada a garantia prevista no inciso LXVIII, do art. 5º, da Constituição Federal. (…). (TJDF, Acórdão 195632, Rel. Des. Getúlio Pinheiro, j. 13 de agosto de 2004).
Assim, fica claro que a confissão informal obtida pelos policiais rodoviários federais é prova absolutamente ilícita e, por isto, seus termos de depoimento (fls. XX e XX), devem ser imediatamente desentranhados dos autos, sob pena de acoimarem todo o processo de nulidade insanável.
II.I.ii. DA INÉPCIA DA DENÚNCIA
Para que o ius puniendi se legitime perante a sociedade, não pode o Estado agir ilegalmente, através da violação de direitos e garantias fundamentais do cidadão, sob pena de corromper o Estado Social e Democrático de Direito e, consequentemente, a própria legalidade: não pode o Estado, através dos seus agentes, violar um direito inerente ao homem apenas para, v.g., obter uma confissão e mais, não podem os agentes políticos se coadunarem com esta violação.
A denúncia é a peça vestibular da ação penal, é ela que determina a matéria de fato e de direito sob a qual a cidadão irá compor a sua defesa e, por isto, deve ela preencher todos os requisitos formais e materiais enumerados no Código de Processo Penal. In casu, a denúncia é formalmente apta, pois atende a todos os requisitos enumerados no artigo 41 do estatuto processual: descreve o fato corretamente, qualifica o acusado, tipifica o crime e arrola as testemunhas; contudo, é materialmente inepta, já que se fundamentou, ao menos parcialmente, em prova ilícita (na confissão informal do acusado).
No corpo da denúncia, o Excelentíssimo Representante do Ministério Público afirmou que “XXX confessou a propriedade da droga, bem como, afirmou que a levaria para a cidade XXX-MG, local onde a entregaria para pessoa desconhecida, recebendo pelo serviço a importância de R$ 650,00.” (fls. XX).
Ora, como poderia o órgão ministerial afirmar que o réu confessou a prática delituosa se, em seu interrogatório durante a fase policial ele permaneceu em silêncio (fls. XX)! Fica claro que a peça vestibular se fundamenta, ao menos em parte, em prova formalmente e materialmente ilícita e, por isto, está eivada de nulidade insanável.
O Excelso Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, já decidiu que é nula a denúncia baseada em prova ilícita:
DIREITO PROCESSUAL PENAL E ELEITORAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. JUSTA CAUSA E PROVA ILÍCITA. GRAVAÇÃO. IMPROVIMENTO. 1. O recurso ordinário abrange, fundamentalmente, duas questões de direito relacionadas à ação penal instaurada por supostos crimes eleitorais praticados pelos pacientes: a) falta de justa causa para a deflagração da ação penal; b) denúncia nula, eis que baseada em prova ilícita. 2. No contexto da narrativa dos fatos, há justa causa para a deflagração e prosseguimento da ação penal contra os pacientes, não se tratando de denúncia inepta, seja formal ou materialmente. 3. A denúncia apresenta um conjunto de fatos conhecidos e minimamente provados com base nos elementos colhidos durante o inquérito. 4 É clara a narrativa quanto à existência de fatos aparentemente delituosos na seara eleitoral, supostamente praticados pelos pacientes que eram candidatos nas eleições municipais de 2004. 5. Observo que as condutas dos pacientes foram suficientemente individualizadas, ao menos para o fim de se concluir no sentido do juízo positivo de admissibilidade da imputação feita na denúncia. Houve, pois, atendimento às exigências formais e materiais contidas no art. 41, do Código de Processo Penal. 6. Há substrato fático-probatório suficiente para o início e desenvolvimento da ação penal pública de forma legítima. Não há dúvida de que a justa causa corresponde à uma das condições de procedibilidade para o legítimo exercício do direito de ação penal. 7. Houve produção de prova testemunhal, além de interrogatórios de co-réus, na fase policial, que não se relacionam à gravação de conversas havidas entre uma das pessoas supostamente contatadas pelos pacientes. Ainda que se considere ilícita a gravação realizada, consigno que a denúncia não se encontra embasada apenas neste meio de prova. Ademais, tal gravação se refere a apenas um dos fatos narrados na denúncia. 8. Recurso ordinário improvido. (STF, RHC 91306/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, j, 09 de setembro de 2008).
Os tribunais, em grau de recurso de apelação, também já decidiram nesse sentido:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI 8.137/90. ART. 1º, INCISOS I. DENÚNCIA FUNDADA EM PROVA ILÍCITA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NÃO APLICAÇÃO. ART. 573, § 1º, CPP. 1. O legislador, ao balizar os “direitos e garantias fundamentais”, estabeleceu, de maneira clara, no art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal de 1988, a inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meio ilícito. E não o fez por capricho. Ao contrário, a inserção de tal preceito no título supramencionado visa a proteger o cidadão de incursões arbitrárias do Estado, ou de particular, sobre o bem jurídico que lhe é mais relevante, depois da própria vida, qual seja, sua liberdade. 2. O princípio da proporcionalidade, garantia individual que permanece implícita na Constituição Federal, não pode ser alegado como forma de mitigar os rigores da lei, em nome de interesses sociais ou da segurança da coletividade, principalmente quando as provas que originaram a denúncia foram obtidas por meio ilícito. 3. A doutrina dos frutos da árvore venenosa (fruits of the poisonous tree doctrine) é perfeitamente aplicável em nosso ordenamento jurídico (art. 573, § 1º, CPP), à falta de regulamentação específica. (Precedentes STF) 4. Recurso não provido. (Tribunal Regional Federal da 1ª Região, processo n.° 2001.35.00.002152-2, Rel. Des. Tourinho Filho, j. 14 de fevereiro de 2006, DJU 10 de março de 2006).
Neste caso, único caminho plausível é a declaração da nulidade da peça vestibular, com o seu consequente aditamento, para que se exclua de seu corpo a referência à confissão informal, prova absolutamente ilícita, feita em fls. XX.
II.II. DO MÉRITO DA CAUSA
As alegações de mérito serão realizadas no momento oportuno, isto é, em sede de alegações finais orais ou memoriais escritos, especialmente porque as provas ao final requeridas comprovarão os argumentos de defesa.
III. DOS PEDIDOS
Por todo o exposto, requer-se à Vossa Excelência que declare a nulidade da confissão informal, determinando o desentranhamento dos depoimentos dos Policiais Rodoviários Federais dos autos (fls. XX e XX); bem como que declare a nulidade da denúncia, determinando o seu aditamento para excluir a referência à confissão informal, que, conforme demonstrado, é prova ilícita, já que foi obtida através da violação dos princípios constitucionais da legalidade e do direito ao silêncio.
Requer ainda que seja oficiada a empresa de ônibus XXX, para que informe o itinerário do ônibus que fazia a linha XXX/XXX Seguro na data de XX de Julho de XXX, as cidades pelas quais passaria, suas paradas programadas, o horário de saída da cidade de XXX, bem como, se possível, o nome do motorista e dos passageiros e quais assentos estes ocupavam.
Por fim, requer que as testemunhas abaixo arroladas sejam intimadas e ouvidas oportunamente, através de carta precatória, conforme determina o artigo 222 do Código de Processo Penal.
Termos em que,
Pede deferimento.
Local, data.
ADVOGADO
OAB/SP n.º xxx
ROL DE TESTEMUNHAS:
1) Nome, nacionalidade, estado civil, profissão, portadora do documento de identidade (RG)…, inscrita ao CPF/MF sob o nº…, residente e domiciliada ao endereço…, CEP…
2) Nome, nacionalidade, estado civil, profissão, portadora do documento de identidade (RG)…, inscrita ao CPF/MF sob o nº…, residente e domiciliada ao endereço…, CEP…;
3) Nome, nacionalidade, estado civil, profissão, portadora do documento de identidade (RG)…, inscrita ao CPF/MF sob o nº…, residente e domiciliada ao endereço…, CEP…;
4) Nome, nacionalidade, estado civil, profissão, portadora do documento de identidade (RG)…, inscrita ao CPF/MF sob o nº…, residente e domiciliada ao endereço…, CEP…
[1] O valor da confissão como meio de prova no processo penal. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 80.
[2] BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil.
[3] Segundo a doutrina, prova materialmente ilícita é aquela em que a forma de obtenção é proibida por lei e formalmente ilícita aquele em que a forma de introdução no processo é vedada por lei.
[4] BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil.
[5] BRASIL, República Federativa do. Código de Processo Penal.
Publicado em 8 de Outubro de 2018 às 16h27
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